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Capítulo I – Casamento real

Naquela sexta-feira, dia dois de fevereiro de 1387, a cidade do Porto acordou com uma excitação própria dos momentos únicos que marcam o curso da história. O recém-nomeado rei de Portugal, D. João I, que dera início à segunda dinastia da monarquia portuguesa, ia celebrar o seu casamento com D. Filipa de Lencastre, membro da família real inglesa que viera para Portugal para selar uma aliança política e militar entre os dois países.

João e Filipa tinham-se conhecido por alturas no Natal do ano anterior, mais concretamente no dia vinte e seis de dezembro. Dizia-se entre a população que tinha sido amor à primeira vista, apesar do encontro ter durado pouco tempo e de ter havido uma breve e circunstancial troca de palavras entre ambos.

Os dias que tinham antecedido a data do casamento entre o rei de Portugal, então com vinte e nove anos, e a sua futura esposa, um ano mais nova, tinham sido frenéticos nos preparativos da boda a realizar na catedral do Porto. A população andava eufórica com o evento, saboreando a felicidade de um novo reinado que se desejava mais pacífico do que o anterior e isento de conflitos com o vizinho estado de Castela. As guerras promovidas pelo rei D. Fernando contra os castelhanos, e que tinham todas terminado com derrotas, provocaram um desfecho dramático: a única filha de D. Fernando fora obrigada a casar com o rei D. João de Castela e a independência de Portugal ficara seriamente comprometida. Após a morte de D. Fernando, o país acabaria por ser invadido por tropas castelhanas e, entre 1383-1385, Portugal vivera o seu primeiro grande momento de luta pela manutenção da independência. Tudo terminara com a Batalha de Aljubarrota, na qual Portugal derrotara Castela, com ajuda de tropas inglesas e com o bastardo João, mestre de Avis, a ser aclamado nas cortes de Coimbra como rei de Portugal, dando origem a uma nova dinastia.

D. João era, para muitos, a esperança numa nova era. Todos queriam deixar para trás tempos de guerra, de epidemias e de falta de alimentos, que tinham marcado as últimas décadas do século XIV. E Filipa de Lencastre tinha despertado simpatia nas classes populares que aspiravam a um casamento que desse muitos frutos e garantisse a sucessão sem sobressaltos.

Fernão Raimundes acordou sem saber muito bem onde se encontrava. A luz da manhã entrava de forma ostensiva no cubículo onde a cama ocupava grande parte do espaço acanhado. Espreguiçou-se e a sua mão tocou num corpo adormecido. Fernão abriu os olhos e deparou com uma mulher, nua, que não reconheceu. Rapidamente percebeu que uma outra mulher, igualmente nua, estava deitada do outro lado. Uma dor de cabeça recordou-o da quantidade de vinho que, na noite anterior tinha bebido numa taberna. Mas essa era a única recordação que guardava. Não fazia ideia de como tinha ido parar àquela cama com aquelas duas mulheres. Aparentemente, devia ter havido sexo entre os três, mas tudo tinha sido varrido da sua memória pela torrente de álcool que lhe fizera naufragar o discernimento.

Sentou-se na cama, já totalmente acordado. A boca seca e o latejar no interior do seu cérebro mantinham bem presente os excessos da noite anterior. Fez um esgar ao olhar para a mulher que dormia do seu lado esquerdo. Era profundamente feia e tinha o corpo cheio de borbulhas pouco entusiasmantes. Perguntou-se se teria pagado para fazer sexo com ela e com a outra, ou se tudo tinha sido uma consequência de bebedeiras conjuntas. Esperava bem que fosse a segunda hipótese, pois estando sóbrio nunca pagaria um soldo para se satisfazer com alguém como ela! Já a mulher deitada à sua direita era mais agradável à vista. Teria uns vinte anos, seios duros e com os mamilos bem espetados, uma pele branca e lisa de onde sobressaíam o cabelo e os pelos púbicos ruivos. Desconfiava que não fosse portuguesa e, se era uma meretriz que vendia o corpo para satisfazer os homens, tinha argumentos bem interessantes para os convencer a abrir os cordões à bolsa.

Fernão esticou o braço a apalpou-lhe o peito. A pele era macia e o toque fê-la despertar.

- Bom dia, meu senhor! - disse ela com um sorriso que comprovou não lhe faltar nenhum dente, pelo menos dos da frente.

A rapariga ajeitou-se e agarrou-lhe o pénis semirrígido. Sem aviso prévio, abocanhou-lhe o membro e começou a chupá-lo. Ele reagiu, afastando-a.

- Então, meu senhor, não queres que te chupe?

O latejar da cabeça estava a deixá-lo com náuseas, de tal forma que aquilo que em situação normal nunca recusaria – um broche de uma mulher bonita e sensual – era incapaz de o excitar naquele momento.

- Não me apetece, mulher! - disse enquanto se levantava.

As suas roupas estavam espalhadas ao fundo da cama e ele vestiu-se de forma apressada. Sem olhar para trás saiu do quarto e dirigiu-se para a rua. Estava frio, mas havia sol. Caminhou pelas vielas sinuosas da cidade, desviando-se dos dejetos de animais e do lixo que era despejado diretamente das janelas para o espaço público: restos de comida, fezes e urina, que transformavam a cidade – como todas as cidades daquela época - em locais imundos e de cheiro nauseabundo.

Fernão Raimundes dirigiu-se para a catedral onde se iria realizar o casamento. Viera propositadamente à cidade para assistir àquele momento, sentindo alguma responsabilidade em tudo aquilo. Afinal, combatera na batalha de Aljubarrota que, em agosto do ano anterior, tinha garantido a independência de Portugal. E agora, o novo rei ia casar-se e, se Deus quisesse, iria constituir uma prole abundante que levaria o país para uma nova fase da sua história.

À medida que se aproximava da construção que ia receber os noivos, as ruas iam ficando menos sujas. Havia flores em muitas janelas e eram várias as pessoas que tentavam limpar a maior parte do lixo que assentara arraiais nos caminhos empedrados ou de terra batida.

Fernão agarrou no pão já duro que levava no bolso do casaco e deu-lhe uma dentada. A custo lá arrancou um pedaço e mastigou. A dor de cabeça começava a ficar mais ténue e ele decidiu apressar-se. Queria conseguir um lugar com vista privilegiada para observar o melhor possível o seu rei, aquele por quem lutara com todas as suas forças.

Capítulo II – D. Antão Gomes

D. Antão Gomes sentou-se à mesa, na sala ricamente decorada. Eram dez e meia da manhã, estava na hora do almoço. Várias iguarias estavam prontas a ser consumidas: carne de zebro e de perdiz e alguns enchidos e empadas de peixe destacavam-se como os pratos principais. Segundos depois surgiram na sala D. Urraca, esposa de D. Antão, e D. Joana, a filha do casal.

- Bom dia, D. Antão!

- Bom dia, querida esposa! Dormiu bem?

- Dormi sim, obrigado.

O casal dormia em aposentos separados. Nunca tinha havido um relacionamento muito próximo entre os dois. O casamento fora arranjado pelas famílias de ambos e D. Antão, desde o início, obrigava-se a cumprir os seus deveres conjugais duas vezes por mês. Nessas noites, dirigia-se ao quarto da esposa e, sempre de luz apagada e com a maior brevidade, despachava o assunto. D. Urraca recebia o esposo deitada de costas, fechava os olhos e suportava as investidas sem nunca ter chegado perto de sentir algum tipo de prazer.

Desses encontros nascera Joana, há dezassete anos, e que era dona de uma beleza herdada da mãe. Na verdade, D. Urraca sempre fora uma mulher que sobressaía em qualquer lugar onde estivesse, olhos e cabelos negros, lábios carnudos e pele branca. Quando usava decotes mais ousados, o colo branco chamava a atenção de quem se cruzava com ela, apesar da distância e da frieza do marido. Não porque D. Antão fosse um homem que revelasse pouco interesse pelo sexo feminino, antes pelo contrário. Eram conhecidos os seus apetites por moças que desempenhavam funções na casa, bem como por camponesas que trabalhavam nas terras dos seus domínios.

- É hoje que o bastardo se vai casar! - disse D. Antão, pegando num pedaço de zebro. - Portugal atingiu o seu ponto mais baixo e que nos envergonha perante todos os reinos da Europa. Um bastardo imundo que usurpou o poder vai hoje casar-se com os traidores ingleses que sacrificam um membro da sua família real para lançarem as garras sobre o nosso país.

As duas mulheres continuaram a comer em silêncio. Aquelas conversas eram sempre monólogos e ambas sabiam que acabavam inevitavelmente em insultos ao novo rei. D. Antão tinha lutado ao lado do rei de Castela, na crise de 1383-1385, defendendo a união ibérica. Considerava que D. João I, para além de ser um rei bastardo, era alguém que não defendia os interesses da nobreza tradicional.

Depois de proferir um conjunto de insultos e impropérios, D. Antão terminou a refeição e levantou-se.

- Querida esposa, vou partir durante uns dias para fiscalizar a cambada de preguiçosos que cultivam as nossas terras. Quero ver se estão a fazer o que devem para poderem pagar os tributos da Páscoa. Regresso dentro de três ou quatro dias.

D. Urraca nada disse, mas inclinou levemente a cabeça em sinal de assentimento. Ela sabia que o marido aproveitava estas viagens para satisfazer os seus apetites sexuais, forçando várias das camponesas a irem para a cama com ele. Já por algumas vezes ouvira conversas entre as criadas sobre este assunto e conhecia o medo que muitas tinham em ser alvo da cobiça do seu amo.

D. Antão saiu da sala e o barulho dos seus passos foi-se tornando cada vez mais ténue, até que desapareceu. Urraca levantou-se e dirigiu-se à janela. O sol brilhava, como que felicitando o casamento real que iria acontecer nesse dia. Sorriu, feliz por saber que o novo rei ia constituir família e pediu a Deus, em silêncio, que abençoasse a união. Ao contrário do seu marido, apoiava a nova dinastia, mesmo que nunca o tivesse expressado a ninguém. Afinal, as mulheres não tinham direito a ter opiniões sobre política e se Antão suspeitasse desse apoio ela nem queria imaginar as consequências.

Capítulo III – Bartolomeu

Fernão Raimundes, no cimo da árvore que ocupara há já algum tempo, percebeu que tinha chegado o momento. Dois cavalos brancos serviam de montada para os noivos e reconheceu o arcebispo de Braga que levava o cavalo da rainha pela rédea, em direção à porta principal da Sé. A restante comitiva vinha a pé, trajando vestes de cores garridas. Fixou o olhar em D. Filipa de Lencastre. Não era uma mulher que ele considerasse especialmente bonita, mas os olhos azuis e o cabelo louro davam-lhe um ar exótico que atraía os homens.

As ruas em volta da Sé estavam cheias de gente que aclamava os noivos. A cidade desfrutava de um dia de festa que suavizava as dificuldades e a miséria em que muitos dos seus habitantes vivam. Nesse dia, tudo isso estava esquecido, esmagado pelo orgulho de o novo rei ter escolhido o Porto como o local para palco do seu casamento.

Os cavalos brancos pararam a poucos metros da porta da Sé. Fernão sabia que, dentro de alguns minutos, os convidados entrariam para o interior do edifício religioso e a gentalha que enchia todo aquele espaço ficaria cá fora, sem poder assistir à cerimónia. Era assim que as coisas funcionavam, mas os dias que se iriam seguir prometiam muito vinho e muitas mulheres desinibidas para o aquecerem nas noites frias. Ele tinha consciência que tinha uma cara e um corpo que agradava ao sexo feminino e que facilmente conseguia os favores mais íntimos de muitas mulheres, solteiras e casadas. Com os seus vinte e dois anos, estava numa invejável forma física, muito graças ao treino militar dos últimos anos.

- Então agora deste em subir para as árvores?

A pergunta fê-lo baixar o rosto, na direção da voz.

-  Bartolomeu!

Fernão desceu apressadamente e abriu os braços. Bartolomeu correspondeu e abraçaram-se com palmadas fortes nas costas.

- O que é que andas a fazer na minha terra? - perguntou Bartolomeu com um sorriso estampado no rosto.

- Vim ver o casamento do nosso rei!

- Fizeste bem. D. João é a pessoa que Portugal precisa para terminarmos estes anos de miséria, guerras e confusões.

- Espero que sim, ou melhor, acredito que sim! Já não te via há muito tempo!

- É verdade, desde agosto do ano passado quando demos aquela coça aos castelhanos em Aljubarrota. Tão depressa não voltam a ter vontade de se meter com os portugueses!

- Eles que venham que voltam a levar uma tareia igual ou maior!

- É mesmo! Então e vais ficar por aqui durante muito tempo?

Fernão fez uns segundos de silêncio, pois não tinha uma resposta clara.

- Não sei! Tenho andado por aí a fazer uns trabalhos como ferrador ou como marceneiro, tem dado para sobreviver... mas vou ter de assentar e pensar em abandonar esta vida de nómada!

- Fazes bem! Anda, vamos beber e festejar este reencontro. O rei e a futura rainha já entraram na Sé, temos de brindar ao novo casal!

Fernão sorriu e deu um murro no ombro do amigo.

- Vamos a isso!

- Conheço uma taberna com um vinho que é uma zurrapa, mas é barato! Anda comigo.

Abandonaram os arredores da Sé, deixando para trás a cerimónia que marcava uma nova era no país. Cinco minutos depois, entraram na taberna cheia de gente. Ouviam-se cânticos de louvor a D. João I e o ambiente de festa contagiava mesmo os menos extrovertidos. Bartolomeu fez sinal ao taberneiro e este respondeu com um piscar de olhos. Fernão seguiu o amigo para uma sala vazia.

- O dono é meu primo! - explicou Bartolomeu. - Aqui estamos mais à vontade!

Segundos depois entrou na sala uma moça roliça com duas grandes canecas.

- Bom dia, Leonor! - disse Bartolomeu, puxando-a para si.

A rapariga sentou-se no colo dele, sem largar as canecas e Bartolomeu meteu-lhe a mão por baixo da saia. Ela deu uma gargalhada e estendeu uma das canecas a Fernão, que a agarrou. Bebeu um golo e fez uma careta. Era vinho de má qualidade, mas estava habituado a beber produtos assim, pois o dinheiro que ganhava não lhe permitia gastar dinheiro em vinhos caros.

Leonor acabou por colocar a outra caneca na mesa junto às cadeiras onde os dois se tinham sentado e abriu as pernas. Fernão olhou para os movimentos da mão do amigo, que se percebiam por baixo do tecido. Era evidente que ele a estava a acariciar no sexo e ela ia soltando uns risinhos de prazer pelas investidas de que era alvo.

-  A Leonor é uma velha amiga! - disse Bartolomeu. - Deve ser a mulher que se vem mais depressa de todas as que conheci! É um vulcão!

Num movimento rápido, Bartolomeu subiu a saia de Leonor, expondo-lhe as coxas brancas e o denso tufo de pelos encaracolados que lhe guardavam o sexo.

- Olha para isto! Uma verdadeira deusa, não achas? - perguntou Bartolomeu enfiando dois dedos no sulco entre as coxas.

A rapariga gemeu e olhou para Fernão. Manteve o olhar fixo no dele enquanto era masturbada e passou a língua pelos lábios. A cena excitou Fernão, que sentiu o pénis endurecer.

- Anda! - convidou ela esticando o braço.

Fernão levantou-se e aproximou-se da cadeira onde o amigo a mantinha ao colo enquanto ia explorando o interior do seu corpo com os seus dedos. Leonor sorriu e a sua mão apalpou-lhe o sexo duro por baixo das calças justas.

- Despe-as...

Fernão ficou uns segundos sem reagir, mas a gargalhado do amigo incentivou-o a obedecer.

- Vá lá idiota! Vais recusar um pedido destes? Olha que vais conhecer uma das bocas mais famosas do Porto.

Leonor olhou para o pénis ereto e agarrou-o.

- Tens um amigo muito dotado, Bartolomeu.

Puxou-o para que o membro se aproximasse do seu rosto e engoliu-o. Enquanto continuava a ser masturbada pelos dedos de Bartolomeu, Leonor começou a chupá-lo em movimentos lentos. Fernão sentiu o calor daquela boca e os toques da língua que faziam jus ao que o amigo indicara. Lá fora o ruído da festa continuava, iria haver muita gente caída pelas ruas devido ao consumo de álcool durante todo o dia! Não tardou muito até que Fernão percebesse que não iria aguentar muito mais.

- Vou-me vir! - alertou.

Leonor continuou a chupá-lo até que o orgasmo o atingiu e ele se veio na boca dela. Era evidente que Leonor estava habituada a tudo aquilo e engoliu todo o sémen que jorrou do seu pau. Nessa altura, também ela começava a dar sinais de que ia explodir devido aos movimentos dos dedos de Bartolomeu no seu sexo. Deixou que o membro de Fernão saísse da sua boca e fechou os olhos.

- Tão bom... - disse começando a mexer as ancas ao ritmo do toque dos dedos exploradores.

Bartolomeu acelerou os movimentos e Leonor deu um impulso para cima com as ancas, soltando um grito que fez com que Fernão olhasse para a porta, acreditando que tal som chamaria a atenção de quem estava na sala principal. Mas o ruído dos festejos camuflou os efeitos sonoros do orgasmo da rapariga que empurrava a mão de Bartolomeu para baixo, para que os dois dedos mergulhassem o mais profundamente nas suas entranhas.

Quando as ondas de prazer terminaram ela beijou Bartolomeu na boca e levantou-se. Ajeitou a saia e repetiu o gesto do beijo com Fernão. Saiu da sala sem dizer nada e Fernão bebeu mais um golo de vinho, tentando ordenar as ideias depois de tudo o que acontecera.

- Então, tinha ou não tinha razão quando te disse que era uma das bocas mais eficazes da cidade? Faz uns broches deliciosos.

- Tinhas sim! Pelo que vejo tens tratamento VIP por aqui!

- Não me posso queixar.

Ficaram os dois a beber em silêncio durante algum tempo.

- Então e o que é que vais fazer aqui pela cidade?

- Vou aproveitar os festejos e depois tenho de arranjar forma de me sustentar. Ainda estou a viver do que ganhei como soldado e de alguns trabalhos que foram aparecendo, mas não tenho grande vontade de continuar como um saltimbanco.

- Fazes bem! Eu depois de Aljubarrota regressei ao Porto e casei. Trabalho para um burguês ligado ao comércio marítimo e que fabrica tonéis para os navios.

- Fico contente. Eu vou ficar por aqui até dia catorze, o dia da boda real. Acho que vão ser duas semanas animadas e, pelo que já aconteceu agora, ainda fiquei com mais vontade de aproveitar!

Bartolomeu soltou uma gargalhada. À porta da sala apareceu Leonor com mais duas canecas e uma travessa com uns biscoitos.

- Oferta da casa! - disse ela bamboleando as ancas de forma provocadora. - Por me teres feito vir e por teres trazido um amigo com um membro delicioso de chupar.

- És mesmo desbocada, mulher!

- Mas tu gostas, não gostas?

Deixou as canecas e a travessa em cima da mesa e saiu. Fernão estava esfomeado e aproveitou a oferta. Fosse pela fome ou porque os biscoitos estivessem mesmo saborosos, a verdade é que lhe pareceram um manjar dos deuses.

- Já viste? O rei casa hoje e cada um dos esposos vai para o seu lado até dia catorze!

- É verdade. Isto de ser rei tem as suas desvantagens! Casa hoje, mas só daqui por duas semanas é que pode consumar o casamento. Vai ter de esperar!

Ambos deram uma gargalhada.

- Pelo que sei. D. Filipa vai ficar no Paço Episcopal. Já lá está há três meses, já está habituada. O rei, pelo que consta, vai recolher-se no convento de São Francisco.

- E enquanto estão os dois separados, vão ser duas semanas de festa sem parar na cidade!

- Até dia catorze vai haver muito mulherio a perder a inocência! Com tanto vinho muitas vão desinibir-se e acabar nos braços de foliões e de gente de fora que veio para cá para os festejos!

Acabaram de beber o vinho e de comer os biscoitos e saíram para as ruas da cidade.

- Onde vais ficar alojado nestes dias? - perguntou Bartolomeu.

- Por aí. Vou ver se arranjo uma taberna ou uma pousada, basta-me uma enxerga de palha e ajeito-me.

- Nada disso! Assim vais gastar todas as tuas poupanças! Os preços por estes dias para alojar tanta gente dispararam! Está tudo cheio e quem tem casas onde possa receber pessoas está a pedir fortunas. Ficas em minha casa, não temos muito espaço, mas há sempre lugar para um amigo!

- Não quero incomodar...

- Não incomodas nada. Não vou deixar um velho companheiro de armas desamparado.

Capítulo IV – No povoado de Calheiros

D. Antão montou no seu cavalo preto e olhou para a porta de casa, onde D. Urraca se mantinha de pé e em silêncio. Era uma mulher bonita, reconheceu o marido, mas não o excitava. Preferia as camponesas, sobretudo as que resistiam aos seus avanços. Submeter pela força uma mulher deixava-o infalivelmente com uma ereção descomunal, senti-las gemer e chorar debaixo de si eram sempre momentos únicos, sobretudo com os maridos ou os pais a assistirem.

Sorriu para D. Urraca e acenou-lhe. Ela retribuiu e ele deu uma estocada no cavalo, iniciando a viagem. Para além dos seis soldados, acompanhavam-no três fiéis servidores: Heitor, o seu braço direito sempre disponível a acatar as suas ordens sem nunca as questionar; Estevão, um antigo soldado que tinha uma destreza incrível com a espada; e Benedito, habituado a trabalhar nas cavalariças e com jeito para lidar com animais. Todos eles trabalhavam para Antão há muitos anos e conheciam os seus gostos. Eram homens em quem o nobre depositava toda a confiança, até porque eram bem recompensados pela sua lealdade.

Não levavam grande bagagem consigo. Iriam passar por várias aldeias que faziam parte do senhorio de Alcaria Molhada e aproveitariam para comer e dormir em casa dos camponeses que, nestas ocasiões, tinham de ceder os seus aposentos ao dono das terras e à sua comitiva. D. Antão cavalgava em silêncio, indisposto pelo casamento real que estava a acontecer nesse dia. Arrependia-se de não ter estado em Aljubarrota ao lado de D. João de Castela, e de não ter tido a possibilidade de usar a sua espada em Nuno Álvares Pereira, o chefe militar do rei bastardo. Tinha de reconhecer que Nuno delineara uma estratégia brilhante, conseguindo vencer um exército bem mais numeroso, mas isso não evitava que ele desejasse ter podido espetar-lhe a lâmina no peito, aniquilando-o. Sem esse líder militar tudo poderia ter sido diferente. Mas agora nada havia a fazer. A nova dinastia de Avis tomara o poder e já se falava na recompensa a nobres de baixa linhagem e a burgueses, substituindo em muitos cargos os membros das tradicionais famílias nobres, que sempre tinham sido o garante dos reis anteriores.

Eram cinco da tarde quando avistaram ao longe as casas de Calheiros, uma povoação rodeada de pequenos lotes de terra cultivada. Seria aí que passariam essa noite e a má disposição de Antão Gomes começou a desvanecer-se pela expetativa de arranjar uma camponesa que o satisfizesse.

Quando se aproximaram da rua que atravessava o povoado, várias crianças que por ali andavam a brincar correram para as suas casas. Antão viu alguns adultos a fixarem a comitiva e o seu ar não revelava nenhum tipo de alegria. Ele sabia que não era uma pessoa de quem essa gentalha gostasse. Em primeiro lugar porque aquele grupo ia consumir alimentos que, em muitos casos, eram a reserva guardada para os meses seguintes; depois porque iriam expulsar de sua casa as pessoas que viviam nas habitações que fossem escolhidas para pernoitar; e, sobretudo porque todos conheciam os instintos de predador sexual e sádico daquele nobre que acabara de entrar na povoação.

O grupo parou no pequeno terreiro em frente da igreja. Desceram dos seus cavalos e Antão chamou um dos homens que estava por perto. Este retirou o gorro da cabeça e aproximou-se, temeroso.

- Sabes que eu sou?

- Sim senhor... - respondeu o homem a medo.

- Ótimo. Avisa os homens da aldeia para se reunirem aqui o mais rapidamente possível!

O camponês virou costas e afastou-se numa passada acelerada.

- Temos de escolher as casas para dormir. Eu e o Heitor ficamos numa, Estêvão e Benedito, vocês ocupam outra ao lado da minha, e vocês - disse virando-se para os soldados – fazem turnos de três para ficar de vigia. Não podemos confiar nesta gente que não nos vai receber propriamente de braços abertos!

A pouco e pouco foram chegando os homens da aldeia. Havia um silêncio quase assustador entre todos. Antão olhou para aquele grupo de gente desprezível e que apenas servia para lhe pagar os impostos devidos.

- Acho que todos me conhecem! - disse em voz alta. - Sou D. Antão Gomes, o vosso amo. Vim fiscalizar a forma como estão a ser cultivadas as terras pois está para breve a recolha de impostos que todos terão de pagar na Páscoa. Espero que não haja terrenos abandonados pois gente preguiçosa terá o castigo que merece!

Fez uma pausa e passou o olhar pelo grupo que permanecia em silêncio e de olhos baixos.

- Amanhã de manhã iremos fazer uma visita aos terenos em volta da aldeia. Mas para já há assuntos urgentes a tratar. Em primeiro lugar precisamos de comer e depois teremos de ter duas casas para dormir. Quando entrei na aldeia reparei nas duas casas do lado esquerdo, uma delas com uma laranjeira junto à entrada. Parecem-me as indicadas para nos receber! Quem são os donos?

A medo, dois homens levantaram o braço.

- Aproximem-se!

Os camponeses acataram a ordem e avançaram.

- Não parecem muito animados por terem sido escolhidos! Será?

- Não, não... - apressou-se a dizer um deles. - É uma honra poder receber-vos D. Antão.

- Ainda bem! Então, vamos lá ver que instalações têm para nos oferecer.

Antão e a sua comitiva começaram a deslocar-se para as casas selecionadas, acompanhadas pelos dois homens. Os restantes habitantes da aldeia oscilavam entre o sentimento de alívio, por não terem sido escolhidos, e o sentimento de impotência, por não poderem ajudar os dois vizinhos a quem a má sorte tinha batido à porta.

Antão parou junto às casas. Um dos camponeses teria cerca de cinquenta anos, o outro era bastante mais novo, talvez uns trinta. Apontou para este último e disse-lhe.

- Fico na tua casa. Qual é?

O homem dirigiu-se para a porta e abriu-a, dando passagem ao nobre e a Heitor. Este entrou e olhou com ar enfadado para o espaço minúsculo da habitação. Havia uma única divisão, de terra batida, com uma lareira acesa, uma mesa e uns bancos de madeira, uma enxerga de palha e umas prateleiras onde alguma loiça grosseira estava arrumada.

- Que miséria! - comentou em voz alta. - Não admira que sejam todos uns selvagens.

O olhar do nobre fixou-se na mulher que estava de pé, junto à lareira, com um bebé nos braços. Aproximou-se dela, que baixou a cabeça.

- Olha para mim! - ordenou.

Ela obedeceu e ele ficou espantado com a beleza daquele rosto.

- Como te chamas?

- Francisca, senhor...

- Muito bem! Esse teu filho nasceu quando?

- Há duas semanas...

- Entrega-o ao teu marido e prepara-nos a comida! Estamos esfomeados. É bom que capriches, pois fico muito maldisposto quanto tenho refeições que não são do meu agrado!

Francisca entregou o bebé nos braços do marido e olhou-o, aflita. Alimentar assim dez homens era uma tarefa muito complicada, pois tinham poucos alimentos em casa. O marido saiu e viu, comovido, que alguns dos habitantes da aldeia estavam por perto com alimentos na mão, para lhe oferecerem. Passou o bebé a uma mulher e recolheu os géneros que lhe iam sendo entregues, agradecendo a cada um deles. Dirigiu-se a casa e entrou. Francisca fez um ar admirado ao ver o que ele trazia e Antão, que se tinha deitado na enxerga, comentou:

- Afinal vocês não são assim tão pobres! Isso é bom, pois significa que posso aumentar os impostos!

Francisca decidiu fazer uma sopa. Tinha vários legumes e azeite, era algo que conseguiria cozinhar rapidamente.

- Antes de fazeres a comida vem descalçar-me as botas! - ordenou Antão.

Francisca ajoelhou-se e retirou as botas a Antão, que a olhava fixamente. Esta afastou-se rapidamente e começou a preparar os alimentos.

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